terça-feira, 16 de novembro de 2010

Meus Antropólogos - parte II


Um dos antropólogos mais geniais do Brasil acabou de lançar um livro sobre o comportamento do brasileiro no trânsito. Em entrevista, Roberto Da Matta levantou questões interessantes sobre sua observação no trabalho "Fé em Deus e pé na tábua".
Em entrevista a revista Trip, Roberto Da Matta falou da obra.
O que você descobriu sobre o comportamento dos brasileiros estudando nossos motoristas?

Da Matta - Que nosso comportamento terrível no trânsito é resultado da incapacidade de sermos uma sociedade igualitária; de instituirmos a igualdade como um guia para a nossa conduta. Nosso trânsito reproduz valores de uma sociedade que ser quer republicana e moderna, mas ainda está atrelada a um passado aristocrático, em que alguns podiam mais do que muitos, como ocorre até hoje. Em casa, nós somos ensinados que somos únicos, especiais. Aprendemos que nossas vontades sempre podem ser atendidas. É o espaço do acolhimento, do tudo é possível por meio da mamãe. Daí a pessoa chega na rua e não consegue entender aquele espaço onde todos são juridicamente iguais. Ir para a rua, no Brasil, ainda é um ato dramático, porque significa abandonar a teia de laços sociais onde todos se conhecem e ir para um espaço onde ninguém é de ninguém. E o trânsito é o lado mais negativo desse mundo da rua. É doentio, desumano e vergonhoso notar que 40 mil pessoas morrem por ano no trânsito de um país que se acredita cordial, hospitaleiro e carnavalesco. No Brasil, você se sente superior ao pedestre porque tem um carro. Ou superior a outro motorista porque tem um carro mais moderno ou mais caro. Na pesquisa com motoristas de Vitória (ES), a maioria dizia: “Eu bebi, eu sei beber e consigo dirigir assim”. E se o outro tiver bebido a mesma coisa? “Ai não, né?” O bêbado, o barbeiro, é sempre o outro. O motorista não consegue entender que ele não é diferente do outro motorista ou pedestre, que ele não tem um salvo-conduto para transgredir as leis. No Brasil, obedecer à lei é visto como uma babaquice, um sintoma de inferioridade. Isso é herança de uma sociedade aristocrática e patrimonialista, em que não houve investimento sério no transporte coletivo e ainda impera o “Você sabe com quem está falando?

"Nós somos ótimos legisladores e péssimos aplicadores da lei. Na mentalidade e educação do brasileiro quem obedece é inferior aquele que infringe." (Roberto Da Matta)

No mais, nossa educação no trânsito é reflexo daquela velha impunidade que nos é ensinada no ambiente familiar. Muitos mostram no trânsito a imaturidade da personalidade, e entendem que por em risco a integridade de seus iguais é sempre uma corajosa vantagem que será sempre admirada. Depois que as tragédias ocorrem as desculpas são sempre as mesmas de quem estava de fato errado.

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