domingo, 10 de abril de 2011

Crash

Questão do dilema social urbano


Revisando tudo aquilo que se passa aos meus olhos diariamente, pelas ruas uma mistura de cores e faces, de luzes, sons e fumaças. Tudo é marca de quem passa pela minha cidade. Mas o ponto ao qual quero atingir é mais reflexivo do que o simples fato de se encontrar misturas humanas dentro de um território delimitado.
Entre o vai e vem de pessoas, é nítido termos um foco de como tudo se encaixa num contexto de urbanização, daquilo que vai entre a concentração espacial de uma população, a partir de certos limites de dimensão e de densidade, e na difusão do sistema de valores, atitudes e comportamentos denominado "cultura urbana".
Nas vertentes do mundo urbano que se formam discussões clássicas das principais relações sociais ditas complexas: gênero e sexualidade, racismo, costumes e mitos, tudo se mistura criando nas mentes dos atores urbanos dilemas que geram entre múltiplos fenômenos: questões e dúvidas, das dúvidas os dilemas. Sei disso porque vivi ao produzir o artigo: "CIDADE ALTA - Extensão do desenvolvimento de relações sociais natalense.”
Sociedade urbana, complexa, onde se tem conhecimento da existência de várias correntes e movimentos sociais se espera que no mínimo haja uma compreensão da existência daquele corpo desconhecido, mas que seja no mínimo aceitável. Dependendo das condições impostas pelos padrões do consumismo ótico, sim, mas basta está parado e analisando um determinado ponto para que seja alvo do que é comum e necessário para a antropologia sociocultural: estranhamento. Não que se leve num sentido bizarro da palavra, mas no que consiste uma técnica indispensável para vermos o outro, aquele que divide o mesmo meio físico urbano que nós, pode muito bem ser considerado o nosso estranho, e como isso acontece com freqüência.

Crash é o retrato de uma sociedade que além de vivermos vizinhos e próximos dentro de um mesmo drama, marca uma seqüência de atos e relatos de preconceito entre os humanos que dividem de mesmo meio físico. Anda-se sempre com medo uns dos outros, às vezes abrimos nossas casas para que alguém possa fazer algo por nós, mas no fim das contas a desconfiança é sempre a voz mais forte.
Dentro desse contexto somos todos peões de um intrigado tabuleiro de emoções; afinal de contas quem nunca mudou o sentido do caminhar ou atravessou a rua como medo de uma pessoa próxima? Ou quem nunca olhou para trás pela insegurança de está sendo seguido?
Não é a premissa de achar que o ser humano desconhecido e urbano possa nos fazer mal, mas nosso medo do mal passa a ser um dilema que constitui até nossos preconceitos mais ridículos e patéticos. Não se deve simplesmente confiar na vontade de uma mão estendida por simples questão de preservação física e moral, mas tal gesto pode contribuir para que se quebrem um pouco as barreiras dos vários mundos que constituem o quadro urbano complexo.
Ser urbano é assim construído por ordem das mais diversas ordens, e sobre os limites políticos do nosso cotidiano somos todos designados aos determinismos que faz com que as faces que se misturam na cidade acabem se igualando.

“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”

O trecho da Declaração Universal dos Direitos Humanos tem uma ótima intenção, mas que não se aplica ao cotidiano quando elementos tentam a todo custo se sobrepor em quaisquer que sejam seus dotes: intelectuais, financeiros, força física, autoridades políticas ou ao que vemos constantemente, as forças de coerção pela violência.
Cada um com sua consciência e posição autárquica vai moldando os perfis urbanos sempre num quadro muitas vezes egocêntrico, dividindo-se em castas superiores e inferiores e que aos poucos vão moldando a face discriminatória, intolerante e exclusiva. Por mais que se façam campanhas que agreguem valores as pessoas, o velho sentimento de temer e ser superior sobrevive na realidade urbana, atentando sempre a dignidade humana.
O pensamento colonizador ainda resiste também delimitando o lugar de "pessoas e pessoas". Tão simples se ver isso quando pegamos o exemplo do elevador. O de serviço é quase sempre designado a pessoas de cor de pele mais escura, esse fenômeno só ocorre porque ainda prevalece no raciocínio social a temática que Florestan Fernandes chama de "Dilema Social". Consiste na busca da sociedade (no caso, a brasileira) em atingir a modernidade e aos avanços sociais, mas sem deixar para trás o pensamento demais enraizado, tradicional e conservador pregado no nosso período colonial. Instituído o elevador de serviço de tal forma que ainda não saiu do imaginário do nosso digníssimo país que há pessoas que sempre comporão o quadro dos eternos serviçais ou subalternos (caso dos nossos escravos).

Dentro do terreno urbano estamos todos laçados pelas prerrogativas e banalizações. Sem que as pessoas se dêem conta do contexto que estão envolvidas, vão se cruzando entre mentes diversas, comportamentos e costumes, tolerando ou não quem esbarra por nós ou simplesmente por indiferença negando a existência de pessoas como humanos e buscando sempre a sobreposição do ego. Somos sempre atores que compõem as faces éticas da selva de pedra, e moldando assim suas características mais críticas.


"Ninguém te toca. Estamos sempre atrás do metal e do vidro. Acho que sentimos tanta falta desse toque, que batemos uns nos outros só para sentir alguma coisa. "


Referências
CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
Declaração Universal dos Direitos Humanos. ONU, 1949.

Um comentário:

  1. Senadora, esse texto é sensacional colocarei o link no meu Blog.
    Abraços

    ResponderExcluir